46 anos após a primeira Conferência, juventude brasileira reforça a importância de localizar as águas subterrâneas do Cerrado no debate mundial
por Maria Alice dos Santos, Núcleo de Comunicação e Engajamento
No último sábado (04), a AVINC e o Engajamundo realizaram o Encontro Regional do Movimento Global da Juventude pela Água para construir coletivamente o documento que será entregue na Conferência da Água na ONU
A Vida no Cerrado (AVINC), em parceria com o Engajamundo, participará da segunda Conferência Mundial da Água da Organização das Nações Unidas (ONU), entre os dias 22 e 24 de março. O encontro acontece em Nova York (EUA), 46 anos após a primeira Conferência, e tem como principal foco debater a importância de políticas públicas globais para proteção das águas subterrâneas. Dentre as guias do diálogo, está a convocação de governos e entidades internacionais a aumentar pesquisas e investimentos na gestão sustentável do recurso.
Armazenadas nos aquíferos, as águas subterrâneas estão sob a superfície terrestre e preenchem inteiramente os poros de rochas e sedimentos. Desempenham papel fundamental no mantenimento da umidade do solo, do fluxo dos rios, lagos, brejos, mangues e pântanos, além de abastecer a vida rural e urbana. “São críticas para a segurança hídrica global, já que, nesses aquíferos, encontram-se 97% das águas doces e líquidas do planeta, o que os torna o maior reservatório de água potável da humanidade”, explica o Estudo das Águas Subterrâneas, realizado pelo Instituto Trata Brasil.
E continua: “sem as águas subterrâneas, as florestas em regiões de clima seco ou tropical não se manteriam em pé, tampouco os ambientes aquáticos existiriam ou cumpririam as suas funções ambientais”. Nesse contexto, centralizar o Cerrado neste debate é essencial, afinal, o bioma é o berço das águas brasileiras.
Salto do Itiquira, Formosa — Goiás
A atual crise hídrica experienciada por todo o planeta afeta dois bilhões de pessoas, que enfrentam dificuldade de acesso à água potável ou habitam regiões próximas a aquíferos contaminados. O número quase dobra ao analisar a perspectiva de saneamento básico: são 3,6 bilhões de pessoas sem acesso a saneamento básico, segundo o relatório Joint Monitoring Program (JMP), produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Este cenário tende a piorar, diante da emergência climática, informa também.
Um dos interesses da Conferência é revisar os objetivos da ação The Water Action Decade (2018 – 2028), estabelecidos na Assembleia Geral de dezembro de 2016. Como produto da segunda conferência, o resumo dos procedimentos será uma das fontes de debate para a sessão de Desenvolvimento Sustentável (HLPF 2023) no Fórum Político de Alto Nível da entidade.
Em dezembro do ano passado, representantes e especialistas em questões hídricas de todo o mundo compareceram à Cúpula das Águas Subterrâneas das Nações Unidas, realizada na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Paris. A partir do encontro, foi criado o documento base para a Conferência da Água de Nova Iorque, que terá cinco temas nos Diálogos Interativos: Água para a Saúde; Água para o Desenvolvimento; Água para o Clima; Resiliência e Meio Ambiente; Água para a Cooperação e Água na Década para a Ação.
Primeira Conferência Mundial da Água foi em solo latino-americano
Relatório do evento internacional, em inglês
Em março de 1977, a cidade argentina Mar del Plata sediou a I Conferência Mundial da Água, encontro inédito voltado especialmente para tratar as questões hídricas no mundo, de forma especializada, nas perspectivas de impacto socioambiental e político. Como resultado, o Plano de Ação de Mar del Plata, à época, foi considerado o mais completo estudo acerca dos recursos hídricos, deixando seu lugar no pódio para o capítulo voltado para água na Agenda 21 e, mais recentemente, a Agenda 30 — referencial para metas internacionais, a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Apesar de ser a primeira e única conferência intergovernamental voltada para debater e pensar especificamente os usos dos recursos hídricos, não houve participação da sociedade civil no evento, composto, majoritariamente, por técnicos e políticos. O secretário-geral da Conferência do Mar del Plata foi o veterano Ministro de Irrigação do Sudão Yahia Abdel Mageed.
Especialista em recursos hídricos e professor, Asit K. Biswas, em artigo histórico sobre o encontro, informou que um dos principais problemas enfrentados foi o orçamento. “Por exemplo, os recursos voltados para a Conferência de Água foi menos do que o gasto apenas nos aspectos audiovisuais da Conferência Habitat, em Vancouver, em 1976”, explicou uma das maiores autoridades mundiais no assunto, e referenciou a Conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos (Habitat), realizada no Canadá. Um dos presentes no encontro histórico, Biswas contou que estiveram presentes 116 governantes, representantes da ONU e Organizações do Terceiro Setor internacionais.
Biswas analisou, no artigo de 1984, que a I Conferência foi organizada e promovida em um importante momento. Como principais contribuições, destaca o debate relacionado à falta de acesso à água tratada em países em desenvolvimento, especialmente nas áreas rurais. “A Conferência aprovou resoluções afirmando que todas as pessoas têm o direito de acessar água potável, tratada, em quantidades e qualidades equivalentes às suas necessidades básicas”, assinalou.
Ainda de acordo com Biswas, o Plano de Ação Mar del Plata tratou de aspectos como acesso, uso e eficiência do sistema de água; riscos ambientais, naturais, na saúde e controle de poluição; políticas de planejamento e gestão; informações públicas, educacionais e pesquisas; e cooperação internacional e regional. Dividido em duas partes, registrou um conjunto de recomendações envolvendo os componentes essenciais na gestão hídrica e doze resoluções a respeito de áreas específicas para estudo.
Excelente reportagem!