Por: Natália Brito e Vitor Sena, Núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias.
A política é, de modo geral, caracterizada por ciclos de curto prazo. Comumente os quatro anos que duram os mandatos executivos, ainda que haja dispositivos legais para evitar isso – o Plano Diretor dura dez anos e o PPA é para mais de um mandato, por exemplo. Esta tensão entre o pensamento de curto e longo prazo tem um impacto nas políticas ambientais. Quanto maior o foco no curto prazo, no qual a abordagem de business as usual é predominante, maior é o risco de perda de oportunidade em que medidas adequadas, normalmente de longo prazo, não são adotadas a tempo.
Para evitar essa situação, é importante que as cidades mudem seus propósitos e comecem a reorganizar suas estratégias, buscando desenvolver políticas adequadas aos desafios que se impõem. Assim, ao elegermos prefeitos e vereadores, devemos refletir se estão comprometidos com projetos que visem aprimorar as políticas existentes e propor políticas que, inclusive, favorecerão as gestões posteriores. Dessa forma, estamos investindo no futuro de nossa comunidade e garantindo benefícios duradouros para além dos mandatos individuais.
Uma ferramenta importante para lidar com a dicotomia:
Preservação X Desenvolvimento
O primeiro passo é conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação ambiental. O que promoverá um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Para tanto, foi instituído pela Política Nacional do Meio Ambiente o Zoneamento Ambiental, que, segundo o Estatuto da Cidade, integra o planejamento municipal. O Zoneamento tem como objetivo a compreensão dos processos relacionados aos ambientes naturais e às ações humanas identificando as potencialidades e fragilidades desta relação.
O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é seu produto e visa estabelecer uma organização territorial que deve ser obrigatoriamente seguida na formulação de políticas e na elaboração e implantação de planos, bem como na execução de obras e atividades públicas e privadas, a fim de possibilitar o desenvolvimento econômico sustentável por meio de instrumentos que permitam a compatibilização do desenvolvimento econômico com a proteção ambiental e contribuir para o uso racional e gestão do território.
A atividade deve iniciar com a elaboração dos diagnósticos e é desenvolvida em três grandes áreas de atuação: diagnóstico da natureza, diagnóstico jurídico-institucional e diagnóstico socioeconômico. Com base nos produtos destas atividades é possível estabelecer o conjunto de macrossistemas socioambientais e suas fragilidades potenciais que serão analisados com a participação da sociedade civil e demais setores envolvidos. Nesta fase final se consolidará as diretrizes para o desenvolvimento de políticas públicas para o ordenamento territorial, o desenvolvimento econômico e social e a preservação ambiental, estabelecendo normas e indicadores que garantirão a consonância entre esses elementos.
Para um planejamento integrado, devem ser contempladas as áreas urbanas e rurais do território municipal, recomendando-se especial atenção ao perímetro rural, que geralmente tem diversas atividades e usos, muitas vezes não considerados. No intuito de assegurar que a produção agrícola seja eficiente no uso do solo e do recurso hídrico, a partir de técnicas mitiguem os possíveis impactos ao meio ambiente gerados por essas atividades.
Mas como as cidades podem conservar seus biomas?
Cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988, no art. 225, forneceu garantias constitucionais para o poder público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Isso já dava oportunidade para que os Municípios fossem incluídos em um sistema de proteção da biodiversidade mais integrado.
Ainda assim, a Lei 9.985/2000 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que estabelece os critérios e as normas para a criação, a implantação e a gestão das unidades de conservação. Trata-se de um sistema formal e unificado que inclui as unidades de conservação federais, estaduais e municipais. O SNUC incluiu os Municípios, legal e definitivamente, como parte integrante do sistema de conservação.
Uma Unidade de Conservação (UC) é definida por lei como um: “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.”
As UCs têm a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, com o intuito de preservar o patrimônio biológico existente. Essas áreas possibilitam que as populações tradicionais utilizem sustentável e racionalmente os recursos naturais, além de propiciar às comunidades do entorno o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis.
As unidades de conservação municipais são criadas por ato do Poder Executivo, isto é, por decreto do prefeito. Apesar de ser menos frequente, o Poder Legislativo (Câmara dos Vereadores) também pode criar unidades de conservação por meio de lei. Antes da criação de uma unidade de conservação, estudos técnicos e consulta pública devem ser realizados. É importante identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade. O ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar a denominação da área, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração. E, assim como toda proposta de política pública, a criação da unidade de conservação deve ser apresentada em uma linguagem acessível para a população local.
Proteger os biomas é também garantir saúde, bem-estar e renda às comunidades que vivem no território. As unidades de conservação são exemplos de compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. As UCs não são locais intocáveis e apresentam vantagens comprovadas para os Municípios, considerando que podem evitar ou minimizar acidentes naturais como enchentes e desabamentos, mantém a qualidade do ar, do solo e das águas. Além de permitirem a ocorrência de atividades ligadas ao turismo ecológico e proporcionarem a geração de emprego e renda.
A maioria das unidades de conservação municipais está localizada nas sedes municipais ou no seu entorno, por isso elas exercem um papel importante na proteção e na manutenção da água doce e das bacias hidrográficas que abastecem os centros urbanos e áreas rurais. Atualmente, vários Municípios brasileiros são abastecidos com água oriunda de unidades de conservação, o que comprova a importância socioambiental destas áreas.
As cidades precisam ter unidades de conservação para que a sua resiliência seja ampliada e os serviços ecossistêmicos sejam ofertados. A interação com a paisagem natural está relacionada à saúde e ao bem-estar humano. O contato com a natureza reduz o estresse e melhora a saúde mental. Além disso, locais com áreas verdes trazem mais conforto térmico, por isso têm temperaturas mais amenas.
As despesas com conservação e recreação nas UCs geram empregos, renda e aumento do PIB. Por isso, as UCs não são importantes apenas para a conservação ambiental, mas também são vetores de desenvolvimento sustentável. Os turistas visitantes das UCs geram considerável atividade econômica nas comunidades de acesso, que vão desde a hospedagem, a alimentação e outros serviços relacionados ao turismo até a compra de produtos da sociobiodiversidade e da cultura local.
Conforme o ICMBio, em 2017, a visitação em UCs chegou a 10,7 milhões de pessoas, superando o ano de 2016, em que houve 8,2 milhões de visitas. Os visitantes gastaram cerca de R$ 2 bilhões nos Municípios de acesso às unidades de conservação. A contribuição dos visitantes em UC para a economia nacional foi de cerca de 80 mil empregos, R$ 2,2 bilhões em renda, R$ 3,1 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 8,6 bilhões em vendas. Em nível municipal, foram gerados um total de R$ 144 milhões de impostos decorrentes apenas dos efeitos sobre as vendas diretas e a remuneração.
E tem mais…
Para municípios com o bioma da Mata Atlântica, a lei prevê um instrumento especial, o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA), que normatiza os elementos necessários para sua proteção, conservação, recuperação e uso sustentável. É elaborado pela prefeitura e deve ser aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, com a participação do cidadão.
O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica traz, por exemplo:
– o diagnóstico da vegetação nativa remanescente;
– as principais causas de desmatamentos;
– ações preventivas para que não mais ocorram;
– as formas de utilização sustentável da vegetação;
– e as áreas prioritárias para conservação e recuperação.
Sua cidade tem Mata Atlântica? Exija a elaboração do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica da sua cidade! A Fundação SOS Mata Atlântica acompanha e apoia os municípios interessados. Para saber mais, dê uma olhada aqui.
Adoraríamos ter um Plano Municipal deste em todos os biomas e nada impede que seu gestor público adote a iniciativa. Um ótimo exemplo é o município de Jundiaí, no estado de São Paulo, que incluiu o bioma Cerrado em seu plano, acesse aqui para saber mais detalhes. Incentive e divulgue para que essa iniciativa também alcance o seu município!
Outro papel importante dos municípios está previsto no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado)
O papel dos estados e municípios nessa questão é fundamental, tendo em vista a distribuição de competências na Lei Complementar n. 140/2011, que atribui responsabilidades claras no contexto do controle do desmatamento e do combate a incêndios florestais. A Lei fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
Vale relembrar que a dinâmica do desmatamento e dos incêndios florestais no Cerrado é diferente da Amazônia, uma vez que as áreas registradas no Incra como áreas privadas concentram a maior parte do desmatamento no Cerrado. Logo, há um contexto de relevante quantidade de emissão de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) e de Uso Alternativo do Solo (UASs) outorgadas pelos estados e (irregularmente) pelos municípios – portanto, de desmatamento autorizado –, e que deve ser objeto de monitoramento por parte dos órgãos que emitiram tais autorizações.
No Eixo II do Plano, monitoramento e controle ambiental, o objetivo 7 visa aprimorar os sistemas e integrar os dados de autorização de desmatamento, embargos e autos de infração estaduais e municipais nos sistemas federais.
O objetivo estratégico 7 abrange temática crítica a todos os biomas brasileiros: a integração de dados estaduais sobre autorizações de supressão (ASVs) e de uso alternativo do solo (UASs), transporte de produtos florestais, autos de infração e embargos do uso do solo. Sem o fortalecimento do Sinaflor e a constituição de uma base integrada de multas e embargos dos órgãos ambientais federais, com a integração dos dados gerados pelos estados e municípios, não será possível distinguir de forma definitiva o desmatamento legal do ilegal, e propiciar a atuação coordenada entre os diferentes órgãos que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente.
Então, perante a importância da atuação municipal, o Governo Federal vem estabelecendo o Programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais e criou a Comissão União com Municípios, a fim de apoiar a regularização ambiental e fundiária, fomentar a recuperação da vegetação nativa e fornecer outros incentivos previstos na legislação ambiental federal. Aqueles que o aderem, portanto, estão aptos a receberem bens e serviços, que deverão ser utilizados para auxiliar no fortalecimento da capacidade institucional municipal para implementação e monitoramento das ações de prevenção e controle do desmatamento em âmbito municipal.
O PPCerrado pontua, ainda, que o mercado de serviços ambientais pode apoiar as iniciativas da sociobioeconomia; a organização social e produtiva da agricultura familiar, dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais; e a gestão ambiental dos territórios coletivos. Diante disso, as cadeias de produtos da sociobiodiversidade, a produção agroecológica e orgânica e os sistemas agroflorestais, por exemplo, são atividades que podem ser fortalecidas por iniciativas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) dos governos municipais. Assim, a partir dessa possibilidade de oferecer incentivos econômicos para manutenção das florestas em pé, o município gera múltiplos benefícios sociais, ambientais e econômicos para produtores rurais e a população urbana. Como a preservação do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, a regulação do clima e a redução da degradação florestal.
No mais, é de fundamental importância discutir fontes de financiamento específicas e orientadas aos objetivos da conservação e da proteção dos recursos naturais para o Cerrado. Nesse caso, as especificidades socioeconômicas do bioma precisam ser consideradas. Além de reivindicar maior destinação de recursos públicos, é necessário considerar as oportunidades de parcerias com o capital privado atuante nas cadeias produtivas e com o setor financeiro. Iniciativas centralizadas (possibilidade de criação de fundo) e descentralizadas (lideradas por estados e municípios, e pelos agentes privados) devem ser fomentadas.
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