top of page
Foto do escritorA Vida no Cerrado

O Marco Global de Biodiversidade e o Cerrado, um hotspot esquecido

por Natalia Brito, Núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias


Na última COP da Biodiversidade, COP15 realizada em 2022, foi adotado o Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework (KMGBF), ou Marco Global de Biodiversidade, que estabeleceu um plano global de ação para proteger e restaurar a diversidade biológica, com 4 objetivos até 2050 e 23 metas até 2030.


Estamos a cinco anos do prazo final, no entanto, ainda estamos muito longe de alcançar as metas.


O Marco (meta 2) preza pela melhoria da biodiversidade e das funções e serviços ecossistêmicos, integridade ecológica e conectividade. Contudo, apesar do Cerrado responder por 1/3 da diversidade biológica do Brasil, atualmente, o bioma está fragmentado e o remanescente de vegetação nativa está desconectado. O que impede o fluxo gênico que colabora na variação genética das espécies, prejudicando a saúde e a permanência de espécies. A conservação de fragmentos pequenos isolados, como os 20% das Reservas Legais definidas pela Lei de proteção da vegetação nativa (Lei nº 12.651/2012), pode não ser suficiente para impedir a perda de biodiversidade. É necessário que essas áreas estejam conectadas umas às outras, formando um mosaico. 


Tendo em vista os altos índices de conversão da vegetação em área privada no Cerrado, precisamos criar e expandir unidades de conservação e ampliar a demarcação, homologação e/ou regularização de terras indígenas, territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais. Nesse sentido, é urgente aumentar os incentivos para a criação de RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) e primordial avançar na titulação de posse de agricultores familiares e na garantia de direitos territoriais, sempre buscando integrá-las na composição de mosaicos de áreas protegidas.


Ainda, entre as metas (3) do Marco Global, busca-se assegurar que até 2030 pelo menos 30% das áreas terrestres, especialmente áreas de particular importância para a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, como o Cerrado, sejam efetivamente conservadas e manejadas por sistemas de áreas protegidas e de outras medidas efetivas de conservação. Vale salientar que o Cerrado é um hotspot ecológico, ou seja, um local que concentram alta variabilidade de seres, associada a uma grande ocorrência de endemismos (espécies que só ocorrem numa certa região) e sujeitas a grande pressão antrópica, como incêndios, desmatamentos e poluição. Mas a proteção ao bioma é ínfima. Além da proteção irrisória da Lei nº 12.651/2012 ao bioma, atualmente, apenas 8,21% da área total do território do bioma é legalmente protegida com unidades de conservação. Cerca de 50% da vegetação nativa  foi suprimida e aproximadamente 80% do território já foi modificado de alguma forma pelo homem, devido à expansão agrícola, urbana e construção de estradas.


O Marco (meta 4) também visa assegurar ações de manejo urgentes para deter extinções induzidas pelo homem de espécies ameaçadas, a fim de reduzir significativamente o risco de extinção. Entretanto, o Cerrado conta com uma intensa exploração predatória e inúmeros animais e plantas correm risco de extinção. 302 espécies de animais do bioma se encontram com algum grau de ameaça; 47 estão criticamente em perigo; 35, em perigo; e 64 são classificadas como vulneráveis. Além disso, estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas da região já não ocorram em áreas protegidas


Embora as metas (2 e 6) de Kunming-Montreal almejem a promoção de restauração de ecossistemas e minimizar, reduzir e/ou mitigar os impactos de espécies exóticas invasoras, só no ano passado, quase oito mil quilômetros quadrados de Cerrado foram convertidos, substituídos, por exemplo, por monoculturas. Um aumento de 43 % em relação a 2022. O bioma apresenta, portanto, um padrão contrário aos objetivos estabelecidos pelo Marco. 


A restauração ecológica vem progredindo no Brasil. No entanto, o seu foco até o momento tem sido na restauração de vegetações florestais, deixando de lado a restauração de ecossistemas abertos, como o Cerrado. Geralmente as espécies que são encontradas nos viveiros de mudas, por exemplo, são espécies, em sua maioria, arbóreas. E, ao contrário das florestas, as savanas possuem uma diversidade de gramíneas, arbustos e árvores esparsas de crescimento lento. Outro desafio para a restauração do Cerrado são as gramíneas invasoras que exercem pressão no ambiente, impedindo o estabelecimento das gramíneas nativas que deveriam ocupar o estrato baixo.


É de suma importância ampliar e fortalecer as políticas públicas, incentivos financeiros, mercados, boas práticas agropecuárias e outras medidas necessárias para a recuperação da vegetação nativa. Em pesquisa apoiada pela FAPESP, um amplo conjunto de dados de 82 áreas distintas, distribuídas por cinco Estados e pelo Distrito Federal, demonstrou que 338 dentre 712 espécies típicas do Cerrado não foram encontradas em nenhum dos locais em restauração. Aliás, de 520 espécies registradas exclusivamente em locais de restauração, 70% não eram típicas do Cerrado. 


Em outras palavras, espécies que deveriam estar presentes nas áreas restauradas não estão, e espécies que não deveriam estar presentes estão. O que não se distingue da realidade dos centros urbanos, o paisagismo utiliza, sobretudo, espécies invasoras quando se trata de cidade no bioma Cerrado. Há pouca valorização e conhecimento sobre as espécies nativas pelas prefeituras. 


Por fim, se quer (meta 7) reduzir os riscos de poluição e o impacto negativo da poluição de todas as fontes, a partir da redução, no mínimo à metade, do excesso de nutrientes perdidos para o meio ambiente, inclusive por meio de métodos mais eficientes de ciclagem e uso de nutrientes. Bem como a redução, no mínimo à metade, do risco total de pesticidas e produtos químicos altamente perigosos. Mas cerca de 38% das áreas de pastagens no bioma Cerrado apresentam indícios de degradação, o que gera a perda de produtividade e influência na abertura de novas áreas para a agropecuária. Somado a isso, o Brasil é o país que mais consumidor de agrotóxicos no mundo, utilizando 801 mil toneladas de agrotóxicos em 2022, o que representa 70% a mais que o segundo lugar, Estados Unidos da América, e mais que o dobro do terceiro lugar, Indonésia. Esse valor, inclusive, equivale a 22% do volume usado em todo o mundo.


Ainda estamos muito longe de garantir que as áreas de agricultura e silvicultura (meta 10) sejam manejadas de maneira sustentável, em particular mediante o uso sustentável da biodiversidade. Distantes de aumentar substancialmente a adoção de práticas amigáveis, como abordagens agroecológicas, que contribuem para a resiliência e eficiência de longo prazo. Temos um longo caminho a trilhar para gerar produtividade a partir de sistemas de produção que trazem segurança alimentar e, simultaneamente, conservam e restauram os ecossistemas. 


Nós não estamos restaurando e mantendo (meta 11) as contribuições da natureza às pessoas, a provisão de funções e serviços ecossistêmicos, tais como a regulação do ar, da água e do clima, a saúde dos solos, a polinização e a redução do risco de doenças, assim como a proteção contra riscos e desastres. Pelo contrário. 


Mas a juventude cerratense quer a implementação de soluções baseadas na natureza e uma nova abordagem baseada nos ecossistemas em benefício de todas as pessoas e da natureza. Queremos aumentar significativamente a área, a qualidade e a conectividade de espaços verdes e azuis no meio urbano (meta 12), assim como o acesso e os benefícios pelas pessoas mais vulnerabilizadas. Integrando a conservação e o uso da biodiversidade. Garantindo o planejamento urbano que considere e aumente a diversidade nativa e a integridade ecológica. Melhorando a saúde humana, seu bem-estar e sua conexão com a natureza, e contribuindo para a urbanização inclusiva e sustentável. 


Queremos (meta 13) medidas jurídicas, políticas, administrativas e de capacitação eficazes, em todos os níveis de governo e setores, em particular aqueles com impactos significativos na biodiversidade, alinhando progressivamente todas as atividades públicas e privadas relevantes e os fluxos fiscais e financeiros com os objetivos e metas do Marco (meta 14). Assim, A Vida no Cerrado atua (meta 16), por meio da educação ambiental, para que as pessoas sejam encorajadas e capacitadas a fazer escolhas de consumo sustentáveis e para melhorar a educação e o acesso a informações acuradas e relevantes.


A Vida no Cerrado opera (meta 18) pela redução progressivamente de incentivos, incluindo subsídios, prejudiciais à riqueza natural, como o Plano Safra. E também age pelo aumento de incentivos positivos para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. A AVINC contribui (meta 21) para que os melhores dados, informações e conhecimentos sejam acessíveis aos tomadores de decisão, aos profissionais e ao público, a fim de orientar a governança eficaz e equitativa, gestão integrada e participativa da diversidade biológica, e fortalecer a comunicação, conscientização, educação, monitoramento, pesquisa e gestão do conhecimento.


A AVINC está indo à COP16 por uma representação plena, equitativa, inclusiva, efetiva e com perspectiva de gênero (meta 22). Queremos participar da tomada de decisão e ter acesso a informações relacionadas à biodiversidade, enquanto jovens, mulheres e defensores dos direitos humanos ambientais. 


O Cerrado pede socorro, e nós vamos à COP 16 para ajudá-lo. 


Referências:

Challenges and directions for open ecosystems biodiversity restoration: an overview of the techniques applied for Cerrado pode ser acessado em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2664.14368.

 

Decisão 15/4 Marco Global de Kunming-Montreal da Diversidade Biológica   [com quatro Objetivos para 2050 – Seção G - e 23 Metas de Ação para 2030 – Seção H]: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e-biomas/biodiversidade1/convencao-sobre-diversidade-biologica/decisao-15-4.pdf

 

"Pesticides use and trade" publicado pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), disponível no link: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/a8a8c2c8-ee36-42e8-a619-7e73c8daf8a6/content


73 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page