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Foto do escritorA Vida no Cerrado

Mais da metade da vegetação nativa do Cerrado está em área privada, indica o MapBiomas

Atualizado: 11 de jun.

Cerrado é terra particular?


por Maria Alice, Núcleo de Comunicação e Engajamento*



Em 38 anos, o Cerrado sofreu a redução de 25% de seu território, o que equivale a 32,1 milhões de hectares - um pouco mais que o dobro do tamanho do território da Inglaterra. A vegetação nativa foi substituída por pastagens, soja e milho, majoritariamente. Esses são dados do MapBiomas.


O histórico da cobertura e uso da terra nos biomas entre 1985 e 2022 da plataforma de pesquisa demonstra que o Cerrado foi um dos dois biomas (ao lado da Amazônia) que mais perdeu área de vegetação nativa. Mantêm-se nesta categoria, ao lado do Pampa, quando os cálculos de perda são realizados proporcionalmente ao tamanho do bioma.


Ainda resta no Cerrado 48% de sua cobertura vegetal nativa. Metade (50%) do bioma está ocupado por uso antrópico, com construções urbanas e produção agrícolas.


Os dados inéditos divulgados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), na última quarta-feira (13), durante o evento Imersão do Fogo, revelam que 62% de toda a vegetação nativa do Cerrado está em imóveis privados, ou seja, terras particulares. O número é alarmante, especialmente ao ser analisado com a estatística de que 85% da perda líquida de vegetação nativa ocorreu em áreas privadas.



Paisagem no nordeste do Cerrado. Cena que se repete em diversas regiões no bioma.



O restante da porcentagem de presença de vegetação cerratense indica: 13% em vazios fundiários e apenas 12% são unidades de conservação e terras indígenas.



Legislação ambiental


O Cerrado, infelizmente, sofre com a ausência legal de destinação de áreas protegidas. O Código Florestal Brasileiro abre brechas para exploração predatória do bioma: apenas 20% da área dos imóveis particulares devem ser destinados à proteção.


O principal crime ambiental no estado de Goiás é o desmatamento, explica o analista ambiental e chefe da Divisão Técnico-Ambiental de Fiscalização Ambiental de Goiás, Jesse Rodrigues Rosa. Preocupado com o flexível aparato legal de proteção do Cerrado - o qual abre brechas para a exploração dos recursos naturais e negligencia a preservação -, Jesse avalia que, neste ritmo frenético de exploração e uso do solo, o Cerrado reduzirá significativa e rapidamente seus 48% de vegetação remanescente.


De acordo com seus cálculos, se o Código Florestal for obedecido no Cerrado - uso de 80% das terras privadas e preservação de 20% -, em breve restariam apenas 10% do bioma. “Ou seja, um cenário de desastre”, complementa.



Paisagem de Brasília (DF) até Alto Paraíso (GO)


A falta de atenção de políticas públicas nacionais, mobilizações civis e acordos internacionais para com o cuidado do Cerrado é um ponto de crítica conjunta entre Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam, e o chefe da Divisão Técnico-Ambiental de Fiscalização Ambiental de Goiás.


Eles opinam que a Amazônia tem o afeto do mundo. Entretanto, como bem disse o supervisor da Brigada de Cavalcante (GO) Charles Pereira Pinto, “o Cerrado é o coração da Amazônia”.


“O Cerrado está em risco. Hoje, a atenção e os recursos se voltam para a Amazônia, deixando o Cerrado desprotegido”, adiciona Jesse. Um exemplo prático, conta ele, é a redução do número de agentes de fiscalização em Goiás. Dos 12, seis foram enviados para ação contra o desmatamento ilegal e garimpo no bioma amazônico.


Os dados chamam atenção para os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (região conhecida como Matopiba) - por lá, as áreas de pastagem e de agricultura cresceram 252% e 2.199%, respectivamente. Vale ressaltar que essa demarcação geográfica guarda 49% da vegetação nativa do Cerrado.


Diante dos dados apresentados, Ane Alencar sintetiza: “Os remanescentes de Cerrado estão prioritariamente em áreas privadas. Nessas áreas, de 65% a 80% do desmatamento pode ser legalizável. Desde que os proprietários tenham autorização."



Território Kalunga



Quando o assunto é proteção integral, o Cerrado é o bioma com a menor porcentagem de áreas protegidas legalmente com unidades de conservação: apenas 8,21% de seu território está amparado com a ferramenta legal de salvaguarda, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).


O cenário é preocupante, porque diversas pesquisas demonstram a importância de unidades de conservação para a proteção da vegetação nativa dos biomas. Goiás ainda é coberto por 30% de vegetação nativa, indicam os dados inéditos do MapBiomas. Os restantes 70% são ocupados pelas atividades humanas.


Apenas o território Kalunga, a nordeste do estado e o maior quilombo do país, protege 83% da vegetação nativa do Cerrado. Apenas 16% da área é destinado a habitações, agricultura e extrativismo sustentável - dessa porcentagem, 12% é voltada para pastagem.



Restaurante da Dona Áurea, a melhor comida do mundo! Espaço em que é possível apreciar as delícias cotidianas encontradas do Cerrado: salada de coração de bananeira, suco de mangaba, cagaita ou tamarindo, pequi (na estação) e purê de abóbora 🎃


Composta por 39 comunidades, o território quilombola ocupa 261 mil hectares nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre (GO). O quilombo resistente formou-se há mais de 300 anos, mas apenas em 2005 começou o reconhecimento legal do território. Hoje, é lar de aproximadamente 3.600 pessoas, segundo o Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


Em 2021, o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga foi registrado pelo Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU) como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (TICCA) do país. Riquíssimo em belas paisagens, biodiversidade, cachoeiras, manifestações culturais, conhecimentos tradicionais e carinho pelo bioma, a população kalunga demonstra forte consciência da grandiosidade ambiental e ancestral do Cerrado. Para eles, a educação ambiental é um exercício cotidiano.


Entretanto, a região enfrenta ameaças importantes. Povoada há três séculos por conta da mineração, o extrativismo de ouro em Cavalcante continuou até 1820. Atualmente, após um hiato de exploração, uma mina de ouro continua ativa na região, explica o ambientalista Richard Macedo Avolio - também proprietário da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Vale das Araras.


Habitante de Cavalcante desde 2002 - quando começou a pôr a mão na massa para a criação da RPPN -, Richard é engajado e atento na movimentação de extrativismo na região. Nos últimos anos, ele conta que o município enfrenta a tentativa recorrente de exploração de ferro e manganês.


Ao dar uma rápida busca no Diretório Brasil de Arquivos, é possível encontrar seis empresas ativas voltadas principalmente para extração de manganês em Cavalcante (GO). Em junho de 2020, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), junto às forças policiais do estado, articularam uma megaoperação para combater crimes ambientais na Chapada dos Veadeiros, em especial no município de Richard. A atividade desmontou um garimpo ilegal de ouro no rio São Félix, apreendeu motores de extração e flagrou um veículo com madeira nativa.



Unidades de Conservação (UCs)


RPPN do Vale das Araras.


As unidades de conservação são categorizadas como de proteção integral e de uso sustentável. No primeiro grupo, estão as seguintes subdivisões: Estação Ecológica; Parque Estadual; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre. O segundo inclui: Área de Proteção Ambiental (APA); Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS); Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN); Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE); Floresta Estadual; Reserva de Fauna.


De acordo com o mapeamento do Ministério Público do estado, Goiás é lar de 10 unidades de conservação federais - incluindo o Parque Nacional Chapada dos Veadeiros e do Araguaia -; e 21 unidades de conservação estaduais (destas, 11 são de proteção integral e 10 de uso sustentável). Como mais um exemplo, o Parque Municipal do Itiquira, em Formosa, é uma das 16 unidades municipais indicadas pela pesquisa.


As Reservas Particulares do Patrimônio Natural são grandes desafios no Cerrado. Infelizmente, ainda é um obstáculo conversar com parte da heterogênea classe de grandes produtores agropecuários e outros detentores privados no bioma. A tentativa de engajá-los na criação desse tipo de reserva enfrenta bastante resistência.



Buritis do Engenho II, território quilombola Kalunga, próximo a Cavalcante.



Como demonstrado pelo MapBiomas, os proprietários privados são fundamentais no debate e nas ações de proteção do Cerrado - visto que detém 62% da vegetação nativa remanescente.

Para a criação de uma RPPN, a iniciativa parte da esfera privada, mediante reconhecimento do Poder Público. Os critérios para embasar a decisão podem ser a relevância da biodiversidade no imóvel, o aspecto paisagístico ou as características ambientais, podendo justificar práticas de recuperação da área.

A matéria do Ministério Público de Goiás identificou 43 reservas protegidas. Uma delas é a RPPN do Vale das Araras, onde a equipe da Imersão do Fogo ficou hospedada.


*Membra da AVINC foi convidada pelo Ipam para o evento de Imersão em Cavalcante, Goiás. No evento, foram divulgados dados inéditos.


Recomendamos:


-> Para mais informações sobre o Território Kalunga:



-> Conflitos e desafios:




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