Inofensivas para humanos, as aranhas-de-alçapão apenas predam insetos que passam perto do abrigo
Por Júlio Campos, Núcleo de Educação Socioambiental e Comunicação Científica
As aranhas-caranguejeiras pertencem à Infraordem Mygalomorphae. São caracterizadas por possuírem 2 pares de pulmões foliáceos, em forma de folhas de um livro (foto 1) e quelíceras paraxiais, voltadas para o ventre (foto 2). Dentro dessa Infraordem estão, além das caranguejeiras da Subfamília Theraphosiinae, as caranguejeiras arborícolas e as aranhas-de-alçapão. As principais famílias que constroem alçapão encontradas no Cerrado são: Actinopodidae, Pycnothelidae, Nemesiidae, Barychelidae e Idiopidae.
Indicado pelas setas vermelhas, na imagem da esquerda, é possível perceber os dois pares de pulmões foliáceos. Já na imagem à direita, destaca-se as quelíceras paraxiais, voltadas para o ventre.
A família Actinopodidae possui três gêneros. Actinopus, descrito por Perty, em 1833, possui 97 espécies, distribuídas por toda a região Neotropical (área biogeográfica compreendendo do México Central ao sul do Brasil). Missulena - descrito por Walckenaer, em 1805 - possui 21 espécies distribuídas em sua grande maioria na Austrália, tendo apenas uma espécie em solo latino-americano, no Chile. Por fim, o gênero Plesiolena - mais recentemente descrito, em 1987, por Goloboff e Platnick -, com 120 espécies, em que duas delas estão presentes no Chile.
Possui o gênero Actinopus como único gênero com ocorrência no Cerrado. São aranhas de tamanho pequeno a médio que medem de 0,7 a 3,5 cm. São caracterizadas por possuírem o cefalotórax liso e brilhante (foto 3), fileira ocular anterior procurva (voltada para baixo) e a região cefálica mais alta (foto 4).
Elas cavam buracos no solo utilizando uma estrutura chamada rastelo (foto 5), os pedipalpos e as pernas I e II. Quando o alçapão está cavado, elas o revestem internamente com seda e depois o recobrem com uma tampa grossa chamada opérculo (feito de areia e seda), o qual é fixado em um ponto, funcionando como uma dobradiça, que permite a aranha abrir e fechar o opérculo.
Na imagem à esquerda, as setas indicam o rastelo e os pedipalpos, aparato utilizado para construírem os buracos
As fêmeas não saem de seus túneis. À medida que vão crescendo, elas aumentam as dimensões do abrigo. Sua longevidade é bem alta, pois o fato de viverem dentro do alçapão durante a vida quase inteira reduz as predações e a perda de água desses animais. As fêmeas de Actinopodidae podem chegar aos seus 40 anos de idade. É comum encontrar mais de um alçapão perto uns dos outros, porém elas não vivem em comunidades.
Aranha fêmea do gênero Actinopus
Os machos (foto 6) já se comportam de forma diferente. Após sua maturidade sexual, eles saem do abrigo e vão à procura de fêmeas. Quando encontra o alçapão, ele bate no chão na frente do opérculo avisando para a fêmea que há um macho adulto ali. Em seguida, a fêmea bate em resposta sinalizando se está receptível ou não. Se ela estiver preparada para a cópula, ela sai do alçapão e assim começa a cópula.
Aranha macho do gênero Actinopus
Após a cópula, a fêmea volta para o alçapão. Depois de um tempo, ela deposita a bolsa de ovos (ooteca) e cuida dela até os filhotes nascerem. Os filhotes começam a construir suas tocas após a quarta ecdise (troca de pele), antes disso eles vivem na mesma toca da mãe (foto 7).
Quando a idade certa chega, os filhotes saem do alçapão da mãe, procuram uma planta para subirem. Chegando ao ponto mais alto (foto 8), eles tecem uma teia que liga o ponto mais alto ao solo. Quando o fio chega a um determinado comprimento, o vento o quebra e leva a aranha para longe. Essa forma de dispersão se chama balonismo e raramente é observado em caranguejeiras, mas é normal entre as “não-caranguejeiras”.
É sempre importante dizer que elas são totalmente inofensivas para nós. Apenas predam insetos que passam perto do abrigo. Caso as encontrem, não mate. Elas são importantes para o bom funcionamento ecológico do ambiente em que se adaptaram a viver.
Referências:
E.A Coyle 1983. Aerial dispersal by mygalomorph spiderlings (Araneae, Mygalomorphae). Journal of Arachnology 11:283–295.
Miglio, L. T., Pérez-Miles, F. & Bonaldo, A. B. (2020). Taxonomic revision of the spider genus Actinopus Perty, 1833 (Araneae, Mygalomorphae, Actinopodidae). Megataxa 2(1): 1-256.
Ríos-Tamayo, D. & Goloboff, P. A. (2018). Taxonomic revision and morphology of the trapdoor spider genus Actinopus (Mygalomorphae: Actinopodidae) in Argentina. Bulletin of the American Museum of Natural History 419: 1-83
Teixeira, JAA; Guadanucci, J.P.L.;Japyassú, Hilton F.; Cestari, C. COMPORTAMENTO E CICLO CIRCADIANO DE ARANHAS DE ALÇAPÃO. 2020.